Alexandre Cherno conversou com o site da UNE e contou histórias, fatos inusitados e as vitórias da ocupação
Muitos movimentos brotam como belas flores, criam raízes e crescem pela natureza da vontade, da determinação e da coragem. Desde o dia 6 de dezembro de 2011, o que se vê no gramado da Esplanada dos Ministérios é um movimento firme, já vitorioso mesmo com apenas cinco dias de acampamento.
O anseio comum em pressionar o Congresso Nacional e dar visibilidade às pautas do movimento estudantil, que nessas semanas tiveram – e ainda terão – decisivos encaminhamentos na Câmara e no Senado, salta aos olhos. Todos ajudam na organização e respeitam cada atividade que lhes é concebida.
Quem motiva os afazeres, bem como a estrutura das Comissões de Organização, é o “prefeito” do #OcupeBrasília, Alexandre “Cherno” Silva. Cherno, Cherlon, Cherni, Cherman, não importa como o chamam, sempre tem alguém atrás para se certificar da tarefa do dia e pedir ajuda ou orientação.
Cherno, que no próximo dia 12 completará 26 anos dentro do acampamento, não hesita quando o assunto é a motivação: “Claro que cada participante reivindica e pensa a sua maneira, mas creio que todos concordarão com uma resposta que contempla a todos que nesse perímetro, desde o dia 6, convivem juntos, faça chuva ou faça sol: estamos carimbando a nossa geração, estamos fazendo história”.
O que não falta, inclusive, são histórias. O “prefeito”, que é presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP), acompanhou a mobilização do #OcupeBrasília desde o início e contou para o site da UNE alguns fatos inusitados, as vitórias conquistadas e, claro, as dificuldades de cada dia. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Vocês já estão acampados a cinco dias, embaixo do sol, chuva, vento e calor. Como foram os preparativos para armar este acampamento?
Tudo começou durante o congresso da UBES, que reuniu cerca de 3 mil estudantes em São Paulo, entre os dias 1 e 4 de dezembro. A ideia surgiu como uma oportunidade em avançar concretamente as bandeiras do movimento estudantil. Como esta última semana foi uma semana decisiva para os estudantes e para a juventude, já que as pautas do movimento estavam na agenda da Câmara dos Deputados e do Senado, decidimos ocupar Brasília em consonância às ocupações que a juventude anda fazendo pelo mundo, mas movidos pela irreverência brasileira.
Durante o Conubes, fui o responsável pela mobilização do acampamento, ou seja, pelo recrutamento dos estudantes ao movimento intitulado por nós de #OcupeBrasília. Foram dias de muita conversa com bancadas do Brasil todo e o que se percebia desde aquele momento era um entusiasmo enorme e uma força de vontade incrível em organizar um movimento para mudar os rumos do país.
Conseguimos mobilizar quatro ônibus com estudantes de 24 estados da federação. Todos saíram logo após o Congresso, no domingo. Foram 20 horas de viagem – 20 longas horas – em que dividimos marmitas, cantamos e compartilhamos sonhos.
Quais foram as primeiras ações, logo que chegaram em Brasília?
Nos dividimos para coordenar os ônibus para a ação especifica da ocupação, que corria o risco de ser interpelada pela policia, já que é ilegal acampar no gramado da Esplanada. Logo cedo, quando os nossos parlamentares chegavam ao Congresso, já estávamos acampados e a estrutura do acampamento já estava montada.
Como se tornou prefeito?
Eu assumi responsabilidades desde o começo do processo, então, minutos antes de ocuparmos, fui eleito.
Como prefeito, quais são suas responsabilidades?
Minhas responsabilidades são garantir a segurança dos companheiros, garantir a limpeza, a alimentação e toda estrutura básica do acampamento. Contudo, as essas funções não são feitas individualmente. Todas as tarefas são organizadas por meio de comissões. Alimentação, limpeza, articulação política e cultura, tudo é dividido e todos os estudantes possuem uma função na cidade.
É importante ressaltar que logo que ocupamos, fizemos o planejamento do nosso acampamento e também a forma que ele viria a se organizar. Tivemos a ideia de dividir as barracas em espécie de bairros, com ruas e avenidas que levam nomes de estudantes que marcaram a história de luta do Brasil, como Edson Luís e Honestino Guimaraes. Montamos também o auditório Carlos Marighela, em homenagem ao seu centenário e inauguramos o estádio Dr. Sócrates Brasileiro. Instalamos também os banheiros e a ducha, para garantir o bem-estar e a irreverencia dos jovens do acampamento.
Provavelmente, os estudantes acampados te enxergam como uma referência para solucionar qualquer tipo de problema. Já chegou até você algum fato inusitado?
As pessoas me procuram para tudo, desde problemas de saúde até problemas estruturais, como barraca e pertences. Outro dia duas meninas vieram me pedir para pintarem os seios e fazerem topless em forma de protesto à causa das mulheres. E eu, envergonhado, dei uma resposta positiva, levando em consideração que nunca se proíbe uma manifestação.
Como é a convivência diária?
É uma convivência harmoniosa e sobretudo alegre. Apesar das pessoas estarem longe de suas casas e famílias, elas sempre buscam uma forma de se interagir, através de grupos de discussões, jogos esportivos, brincadeiras como o “afoga ganso” (brincadeira de água na lona, onde os estudantes se jogam de barriga), as rodas de músicas, os cineclubes, leituras coletivas e saraus de poesia. Essa convivência alegre não se resume apenas ao perímetro do acampamento, mas se estende aos funcionários da prefeitura, da limpeza pública, aos ambulantes que passaram a admirar a nossa ação e ganhar um carinho especial por nós.
A aprovação por unanimidade na comissão de educação do senado do PLS 138/11, projeto de lei que destina às areas de educação e de ciência e tecnologia metade dos recursos do fundo social do Pré-Sal, foi sem dúvida uma grande conquista. Você elencaria outras vitórias?
Uma ocupação vive de vitórias diárias. No conjunto, a grande vitória, fora a aprovação do Pré-sal, foi a boa repercussão que tivemos nos meios de comunicação nacionais e internacionais, que possibilitou colocar o debate para toda sociedade e abriu o diálogo com o Congresso Nacional. Também a participação e o apoio de muitos parlamentares e líderes dos movimentos sociais que visitaram o acampamento mostram a positividade
E derrota? Existiu?
Nenhuma. Nós não viemos com espírito de derrotados.
O Ocupe Brasília cumpriu, então, o objetivo inicial?
Cumpriu uma parte de seu objetivo, que foi decisivo para manter a galera unida e sintonizada com o objetivo principal, que é obter vitórias concretas em relação aos 10% do PIB e a aprovação do Estatuto da Juventude.
No que se assemelha o Ocupe Brasília com o resto das ocupações mundiais?
Na minha opinião, é o espírito da juventude. Apesar das experiências e as realidades serem diferentes, nós somos partes de um grande processo que pode movimentar nossos sonhos e transformá-los em realidade. Por isso, a ocupação é um chamado, um convite àquilo que nos deixa bem próximos das aspirações da juventude, que estão sempre lutando por um mundo melhor.