É
incrível que a proposta da Atenção Primária à Saúde (APS) continue a
despertar reflexões e debates após três décadas da realização da
Conferência de Alma-Ata. No caso, porém, de um texto elaborado por Mario
Rovere, intelectual e homem de ação da Saúde Coletiva latino-americana,
impõe-se uma atenção especial.
Assim, pode-se entender a APS como um dos níveis de
atenção onde ocorreria o primeiro contato de uma pessoa com o sistema de
saúde, como um programa focalizado e seletivo com oferta limitada de
serviços dirigido a populações pobres ou, ainda, como uma estratégia de
reorientação de sistemas e serviços de saúde. Portanto, há posições e
interpretações para todos os gostos, interesses e políticas.
Até
países que buscaram denominações substitutas diante do mal estar
provocado pelo caráter seletivo da concepção dominante de APS, como foi o
caso do Brasil ao optar pela expressão ‘atenção básica’ e chamando de
‘estratégia’ o Programa de Saúde da Família (PSF), terminaram
submetendo-se à marca APS e limitando-se a realizar, na maioria das
vezes, intervenções pobres para pobres, isto é, uma medicina
‘simplificada’para gente simples que ficaria satisfeita até mesmo com
uma ‘atenção primitiva de saúde’, conforme nomenclatura crítica cunhada
por Testa (1992).
Ao recuperar a trajetória
dessa proposta após Alma-Ata, quando a Fundação Rockefeller empenhou-se
na instalação de uma agenda alternativa e regressiva mediante a difusão
de uma APS seletiva, via United Nations Children’s Fund (UNICEF) e Banco
Mundial, na época de Ronald Reagan e Margaret Tatcher, o texto oferece
indicações de que existem questões de fundo que transcendem
denominações. Para além das lutas ideológicas ou teóricas em torno desse
‘constructo’, existe o poder econômico do capital e o poder político
dos Estados submetidos a uma dada ordem mundial que determinam, em
última análise, a direcionalidade das intervenções em saúde.