terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reflexões de Fidel - Enviamos médicos e não soldados

NA reflexão de 14 de janeiro, dois dias depois da catástrofe do
Haiti que destruiu esse país irmão e vizinho, escrevi: "Cuba, apesar
de ser um país pobre e bloqueado, há anos está cooperando com o povo
haitiano. Ao redor de 400 médicos e especialistas da saúde cooperam
gratuitamente com o povo haitiano. Os nossos médicos trabalham
diariamente nas 127 das 137 municípios do país. Por outro lado, não
menos de 400 jovens haitianos formaram-se como médicos em nossa
Pátria. Agora trabalharão com nossos médicos que foram ali ontem para
salvarem vidas nesta situação crítica. Portanto, podem se mobilizar,
sem muito esforço, até mil médicos e especialistas da saúde, que já
estão ali, e quase todos estão dispostos a cooperarem com outro Estado
que desejar salvar vidas haitianas e curar feridos."

"A situação é difícil -- comunicou-nos a chefa da Brigada Médica
Cubana -- porém já começamos a salvar vidas."

A cada hora, dia e noite, nas poucas instalações que não desabaram,
em casas de campanha ou em parques e espaços abertos, por temor da
população a novos tremores, os profissionais cubanos da saúde
começaram a trabalhar incansavelmente.

A situação era mais séria à que se pensou no início. Dezenas de
milhares de feridos imploravam ajuda nas ruas de Porto Príncipe e um
número considerável de pessoas jaziam, vivas ou mortas, sob as ruínas
de argila ou adobe com que tinham sido construídas as moradias da
imensa maioria da população. Prédios, inclusive mais sólidos,
desabaram. Além disso, foi necessário localizar, nos bairros
destruídos, os médicos haitianos formados na Escola Latino-Americana
de Medicina (ELAM), muitos dos quais foram atingidos direta ou
indiretamente pela tragédia.

Funcionários das Nações Unidas ficaram presos em várias hospedagens e
se perderam dezenas de vidas, inclusive, de vários chefes da MINUSTAH,
uma força das Nações Unidas, e se ignorava a sorte de centenas de
outros membros do seu pessoal.

O Palácio Presidencial do Haiti desmoronou-se. Muitas instalações
públicas, inclusive, várias hospitalares, ficaram em ruínas.

A catástrofe abalou o mundo, que pôde presenciar o que estava
acontecendo através das imagens dos principais canais internacionais
de televisão. De toda parte, os governos anunciaram o envio de peritos
em resgate, alimentos, medicamentos, equipamentos e outros recursos.


Conforme a posição pública formulada por Cuba, pessoal médico de
outras nacionalidades, nomeadamente, espanhóis, mexicanos, colombianos
e outros, trabalhou incansavelmente junto aos nossos médicos em
instalações que tínhamos improvisado. Organizações, como a OPS, e
países amigos, como a Venezuela e outros, forneceram medicamentos e
diversos recursos. Sem vontade de aparecer e sem chauvinismo, os
profissionais cubanos e seus dirigentes mantêm uma conduta impecável.

Cuba, como em situações similares, por exemplo, quando o furacão
Katrina causou grandes estragos na cidade de Nova Orleans e pôs em
risco a vida de milhares de norte-americanos, ofereceu enviar uma
brigada médica para cooperar com o povo dos Estados Unidos, um país
que, como é sabido, possui avultados recursos, mas precisava nesse
momento de médicos bem preparados e equipados para salvarem vidas. Por
sua localização geográfica, mais de mil médicos da brigada "Henry
Reeve" estavam organizados e prontos com os medicamentos e
equipamentos adequados para partirem em qualquer hora do dia ou da
noite para essa cidade norte-americana. Nem sequer passou por nossa
cabeça a idéia de que o presidente dessa nação rejeitasse a oferta e
permitisse que um número de norte-americanos que se podia salvar
morresse. O erro desse governo talvez tenha sido sua incapacidade para
compreender que o povo de Cuba não considera o povo norte-americano um
inimigo, nem culpado das agressões a nossa Pátria.

Aquele governo também não foi capaz de compreender que o nosso país
não precisava pedir favores ou perdão a quem, durante meio século,
tentou inutilmente nos curvar.

O nosso país, igualmente no caso de Haiti, aceitou em seguida o
pedido de sobrevôo na região oriental de Cuba e outras facilidades de
que precisavam as autoridades norte-americanas para prestarem ajuda o
mais rapidamente possível aos cidadãos norte-americanos e haitianos
atingidos pelo terremoto.


Estas normas caracterizam a conduta ética do nosso povo que, junto a
sua equanimidade e firmeza, são os traços da nossa política externa.
Todos os nossos adversários no contexto internacional sabem bem
disso.

Cuba defenderá firmemente o critério de que a tragédia que teve lugar
no Haiti, a nação mais pobre do hemisfério ocidental, é um desafio
para os países mais ricos e poderosos da comunidade internacional.

O Haiti é um produto absoluto do sistema colonial, capitalista e
imperialista imposto ao mundo. Tanto a escravidão no Haiti quanto a
sua posterior pobreza foram impostas do exterior. O terrível terremoto
ocorreu depois da Cúpula de Copenhague, onde foram conculcados os
direitos mais elementares de 192 Estados, que fazem parte da
Organização das Nações Unidas.

Após a tragédia, desatou-se no Haiti uma concorrência pela adoção
imediata e ilegal de crianças, obrigando a Unicef a tomar providências
preventivas contra o desarraigo de muitas crianças da família, tirando
tais direitos aos parentes mais próximos delas.

O número de vítimas mortais ultrapassa cem mil pessoas. Uma cifra
elevada de cidadãos perdeu braços e pernas, ou sofreu fraturas que
precisam de reabilitação para o trabalho ou o desenvolvimento das suas
vidas.

Ao redor de 80% do país deve ser reconstruído e criar uma economia
suficientemente desenvolvida para satisfazer as necessidades conforme
as capacidades produtivas. A reconstrução da Europa e do Japão, a
partir da capacidade produtiva e do nível técnico da população, era
uma tarefa relativamente simples em relação ao esforço a fazer no
Haiti. Ali, como em boa parte da África e em outras áreas do Terceiro
Mundo, é indispensável criar as condições para o desenvolvimento
sustentável. Em apenas 40 anos, a humanidade terá mais de 9 bilhões
de habitantes, e tem perante si o desafio da mudança climática, que os
cientistas aceitam como uma realidade inevitável.

Em meio à tragédia haitiana, sem ninguém saber como e porquê, milhares
de soldados das unidades da infantaria da Marinha dos Estados Unidos,
tropas aerotransportadas da 82ª Divisão e outras forças militares
ocuparam o território do Haiti. Pior ainda, nem a Organização das
Nações Unidas, nem o governo dos Estados Unidos deram uma explicação à
opinião pública mundial a respeito destas forças.

Alguns governos se queixam de que seus meios aéreos não conseguiram
aterrissar e transportar os recursos humanos e técnicos enviados ao
Haiti.


Diversos países anunciam, por sua vez, o envio adicional de soldados e
equipamentos militares. Tais fatos, ao meu ver, contribuiriam para
criar o caos e complicar a cooperação internacional, de per si,
complexa. É preciso discutir seriamente o tema e incumbir à
Organização das Nações Unidas o papel reitor que lhe cabe neste
assunto delicado.

O nosso país cumpre estritamente uma tarefa humanitária. Segundo as
suas possibilidades, contribuirá com os recursos humanos e materiais
que estejam ao seu alcance. A vontade do nosso povo, orgulhoso dos
seus médicos e cooperadores em atividades vitais é grande e estará à
altura das circunstâncias.

Qualquer cooperação importante que se preste ao nosso país não será
rejeitada, mas sua aceitação ficará inteiramente subordinada à
importância da ajuda que se precisar dos recursos humanos da nossa
Pátria.


É justo reafirmar que, até hoje, os modestos meios aéreos e
importantes recursos humanos de Cuba colocados à disposição do povo
haitiano não tiveram dificuldade alguma para chegarem ao seu destino.


Enviamos médicos e não soldados!



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