sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Como estudar o marxismo? - Comece pelo Manifesto

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRdRcMr2ZBGmkRQR6FYB01e1UXCMV0oY_3x3zbD8uCXiHBo1mvkQuer ter uma introdução ao pensamento marxista? Não saber por onde começar?

Deixamos aqui nossa dica, comece pelo Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848. É, como veremos, uma escolha quase obrigatória, por vários e sólidos motivos.

Mas antes de pegar o Manifesto em mãos, temos algumas dicas  e provocações para a sua leitura!


Salte sem medo os prefácios
Não vacile: salte todos os prefácios e introduções e vá direto ao principal: o "Manifesto" propriamente dito, publicado em alemão, por uma tipografiazinha de Londres, cheio de erros de composição e com uma insignificante tiragem de mil exemplares.
Os prefácios têm sua importância. Assinados pelos autores, ou apenas por Engels, depois da morte de Marx, eles contam a trajetória da obra, antes e sobretudo depois que foi escrita. Mas são como a guarnição de um prato. Guarde, portanto, a sua fome mais aguda para a iguaria principal; depois, sobrando fome, não deixe de ler os prefácios.

São apenas 36 páginas — na versão que tenho em mãos, publicada pela Editora Anita Garibaldi. Um leitor mediano não levará uma hora para percorrê-las. E, no entanto, aí está um grande livro, denso e sólido como um bloco de aço. Nenhum outro teve um papel comparável na história da sociedade humana. Nenhum tem tido o mesmo fulminante efeito sobre a consciência individual de milhões de lutadores sociais, de rigorosamente todos os países, ao longo do último século e meio.

A proclamação política de uma classe social
O "Manifesto" é, como indica seu título, uma proclamação social e política, ou, se quiser, a proclamação política de uma classe social — a classe dos modernos trabalhadores, assalariados e explorados pelo capital. Daí o seu texto simples, direto e cortante. Mas não se iluda. Um tal conteúdo só foi possível porque possuía por trás dele toda uma concepção teórica nova, revolucionária, que anos mais tarde — e contra a oposição ferrenha de Marx — ficaria conhecida pelo nome de marxismo.

Para chegar ao "Manifesto", Marx e Engels partiram do que havia de mais avançado no pensamento da sua época: a filosofia alemã, a economia política inglesa, o socialismo francês. E partiram também da experiência concreta da classe dos proletários, na época quase uma recém-nascida, que Engels investigara, na sua vida e na sua luta, em "A situação da classe operária na Inglaterra" (1845).

Mas eles não ficaram nisso. Ruminaram, digeriram, reprocessaram o pensamento progressista do seu tempo, convencidos de que, como escrevera Marx pouco antes**, já não bastava compreender o mundo, a questão era transformá-lo. Há, por trás e por baixo dessas modestas 36 páginas, um sistema teórico íntegro e coerente — embora aberto e em permanente mutação —, uma concepção do mundo e da sociedade. Só a partir destes alicerces foi possível escrever 36 páginas assim, densas, compactas e brilhantes como um livro fresado no mais puro e inoxidável aço.

O valor literário do "Manifesto"
Duas palavras, ainda, sobre o valor literário do "Manifesto". Marx e Engels nunca foram propriamente literatos. Embora ambos fossem notórios devoradores e admiradores do que havia de melhor na literatura universal, sempre se fixaram ao escrever no conteúdo das suas idéias. E no entanto, como conteúdo e forma não se divorciam, eis que criaram uma peça literária e estilística que até hoje causa espécie.

Basta ver a vida própria que numerosas passagens do "Manifesto" adquiriram, citadas e recitadas por marxistas e não-marxistas: "Um espectro ronda a Europa, o espectro do comunismo"; "A história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes"; "a burguesia cria seus próprios coveiros"; "a religião é o ópio do povo"; "os proletários não têm pátria"; "As idéias dominantes em qualquer época nunca passaram das idéias da classe dominante"; e ainda a passagem final: "Que as classes dominantes tremam ante a idéia de uma Revolução Comunista! Os proletários não têm nada a perder com ela, além das suas cadeias.

Têm, em troca, um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!"

Três perguntas à guisa de provocação
Por fim, à guisa de provocação de raciocínios, um debate surgido, ou recolocado, nas comemorações do sesquicentenário do "Manifesto", sete anos atrás. Estabeleceu-se então um debate de dimensões mundiais, até porque o recente colapso da experiência socialista soviética colocava imperiosamente a questão da validade do "Manifesto" à luz do crivo da prática - que é, proclamam os marxistas, o critério da verdade. Em geral, foi um debate respeitoso, quase reverente, mesmo da parte dos anticomunistas, desde que sérios. Mas em meio às proclamações de respeito e admiração, vinham também os questionamentos das concepções de 1848 que não teriam lugar em 1998.

Entre outros, seleciono três, dos mais espicaçantes, para um exercício de leitura crítica e polêmica:
1) O "Manifesto" diz que "o caráter distintivo da nossa época, da época da burguesia, é o de ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado". Sustenta-se esta afirmação, à luz de todas as complexidades da sociedade burguesa contemporânea? Ou não?
2) O "Manifesto" diz que "o governo do estado moderno não é mais do que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa". Será isto válido à luz dos desenvolvimentos políticos deste século e meio, como a conquista do sufrágio universal? E como definir o "governo do estado" que tem por presidente o torneiro-mecânico Luiz Inácio Lula da Silva?
3) Na passagem dos "coveiros", o "Manifesto" afirma que "o desenvolvimento da grande indústria mina sob os pés da burguesia as bases sobre as quais ela estabeleceu o sistema de produção e de apropriação. A burguesia produz, antes de mais, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis." Será mesmo o socialismo inevitável?