Antagonismo. Terça-feira, 16 de abril.
Os jovens brasileiros conquistam a histórica aprovação do seu Estatuto
da Juventude no Senado Federal. Um avanço no que tange assegurar
direitos a eles. Esta é a primeira legislação em nível constitucional a
tratar a juventude como política de Estado. Cerca de 53 milhões de
brasileiros, de 15 a 29 anos de idade, serão beneficiados com o projeto,
que estabelece uma série de garantias e direitos para a juventude
brasileira, como acesso à educação, ao ensino profissionalizante, ao
trabalho e à renda.
Neste mesmo dia, o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) entrega ao presidente da Câmara um projeto
de lei, que propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), a principal dessas mudanças sugere a ampliação de três para oito
anos de reclusão para os menores infratores. O enredo que motivou a
decisão foi o assassinato
do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, no último dia 09. O crime
foi cometido por um outro jovem, prestes a completar 18 anos. Este fato
reacendeu a discussão sobre a redução da maioridade penal, tanto pela
mídia, quanto pelas classes conservadoras.
Em meio à essa discussão, o estudante
Vinicius Bocato escreveu um ótimo artigo, que traz dados contundentes
para apontar que a redução da maioridade penal está longe de ser a
melhor alternativa para combater a violência. A UJS reproduz na íntegra,
confira.
Razões para NÃO reduzir a maioridade penal
Na última semana uma tragédia abalou
todos os funcionários e alunos da Faculdade Cásper Líbero, onde estou
terminando o curso de jornalismo. O aluno de Rádio e TV Victor Hugo
Deppman, de 19 anos, foi morto por um assaltante na frente do prédio
onde morava, na noite da terça-feira (9). O crime chocou não só pela
banalização da vida – Victor Hugo entregou o celular ao criminoso e não
reagiu –, mas também pela constatação de que a tragédia poderia ter
acontecido com qualquer outro estudante da faculdade.
Esse novo capítulo da violência diária
em São Paulo ganhou atenção especial da mídia por um detalhe: o
criminoso estava a três dias de completar 18 anos. Ou seja, cometeu o
latrocínio (roubo seguido de morte) enquanto adolescente e foi
encaminhado à Fundação Casa.
Óbvio que a primeira reação é de
indignação; acho válida toda a revolta da população, em especial da
família do garoto, mas não podemos deixar que a emoção nos leve a
atitudes irresponsáveis. Sempre que um adolescente se envolve em um
crime bárbaro, boa parte da população levanta a voz para exigir a
redução da maioridade penal. Alguns vão adiante e chegam a questionar se
não seria hora do Estado se igualar ao criminoso e implantar a pena de
morte no país. Foi o que fez de forma inconsequente o filósofo Renato
Janine Ribeiro, em artigo na Folha de S. Paulo, por ocasião do
assassinato brutal do menino João Hélio em 2007.
Além de obviamente não termos mais
espaço para a Lei de Talião no século XXI, legislar com base na emoção
nada mais atende do que a um sentimento de vingança. Não resolve (nem
ameniza) o problema da violência urbana.
O que chama a atenção é maneira como a
grande mídia cobre essas tragédias. A maioria das matérias que vemos nos
veículos tradicionais só reforçam uma característica do Brasil que eles
mesmo criticam: somos o país do imediatismo. A cada crime brutal
cometido por um adolescente, discutimos os efeitos da violência, mas não
as suas causas. Discutimos como reprimir, não como prevenir. É uma
tática populista que desvia o foco das reais causas do problema.
Abaixo exponho a lista de motivos pelos quais sou contra a redução da maioridade penal:
As leis não podem se basear na exceção
A maneira como a grande mídia cobre
estes crimes bárbaros cometidos por adolescentes nos dá a (falsa)
impressão de que eles estão entre os mais frequentes. É justamente o
inverso. O relatório de 2007 da Unicef “Porque dizer não à redução da idade penal” mostra que crimes de homicídio são exceção:
“Dos crimes praticados por adolescentes,
utilizando informações de um levantamento realizado pelo ILANUD
[Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente] na capital de São Paulo durante os anos de
2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos
infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra
o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das
acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos
imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme
demonstra o gráfico abaixo.”
E para exibir dados atualizados,
dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83
infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio
(caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última
semana). Ou seja, menos que 1%.
Redução da maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos efeitos, não nas causas da violência
Como já foi dito, a primeira reação de
alguns setores da sociedade sempre que um adolescente comete um crime
grave é gritar pela redução da maioridade penal. Ou quase isso:
dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora na periferia
(nesses casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas policiais).
Mas vamos evitar leituras ideológicas do problema.
A redução da maioridade penal não
resolve nem ameniza o problema da violência. “Toda a teoria científica
está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em
termos de segurança para a população”, afirmou em fevereiro Marcos
Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade
penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência.
O Instituto Não Violência
é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas nas áreas social
e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente
ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!),
exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas,
independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação
familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada
educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos
processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo,
consumismo e cultura do prazer.
No site da Fundação Casa temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos internos (2006):
Em
linhas gerais, o adolescente infrator é de baixa renda, tem muitos
irmãos e os pais dificilmente conseguem sustentar e dar a educação ideal
a todos (longe disso). Isso sem contar quando o jovem é abandonado
pelos pais, quando um deles ou ambos faleceram, quando a criança nem
chega a conhecer o pai, entre outras complicações.
Claro que é bom evitar uma posição
determinista, a pobreza e a carência afetiva por si só não produzem
criminosos. Mas a falta de estrutura familiar, de educação, a exposição
maior à violência nas periferias e a falta de políticas públicas para
esses jovens os tornam muito mais suscetíveis a cometer pequenos crimes.
Especialistas
afirmam que os adolescentes começam com delitos leves, como furtos, e
depois vão subindo “degraus” na escada do crime. De acordo com Ariel de
Castro Alves, ex secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (Condepe), muitos dos adolescentes que chegam
ao latrocínio têm dívidas com traficantes e estão ameaçados de morte, e
isso os estimula a roubar.
Vale aqui lembrar a falência da Fundação
Casa, que em vez de recuperar os jovens, acaba incentivando os internos
a subir esses degraus do crime. Para entender melhor sua realidade,
recomendo a leitura da matéria “De Febem a Fundação Casa”
da REvista Fórum. Nela temos o relato do pedagogo Carlos (nome
fictício), que sofreu ameaças frequentes por contestar os atos abusivos
da direção: “A Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com
mais ódio, achando que as pessoas são todas ruins e que não há como
mudar isso. São desrespeitados como seres humanos, são tratados como
lixo. E isso faz com que eles pensem que não podem mudar.”
Atuante na Fundação há onze anos, Carlos
conta que os atos de violência contra os adolescentes são cotidianos e
descarados, apoiados inclusive pelo diretor, que também “bate na cara
dos meninos”. Essa bola de neve de violência só poderia resultar em
crimes cada vez mais graves cometidos pelos garotos.
A redução da maioridade penal
tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário brasileiro e
aumentaria o número de reincidentes
Dados objetivos:
Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181
mil vagas. Não precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as
condições desumanas das cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema
desses é incapaz de recuperar alguém.
A inclusão de adolescentes infratores
nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como
tende a aumentar o número de reincidentes. Para o advogado Walter
Ceneviva, colunista da Folha, a medida pode tornar os jovens criminosos
ainda mais perigosos: “Colocar menores infracionais na prisão será uma
forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para
a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro.”
A Unicef também destaca os problemas que
os EUA enfrentam por colocar adolescentes e adultos nos mesmos
presídios. “Conforme publicado este ano [2007] no jornal The New York
Times, a experiência de aplicação das penas previstas para adultos para
adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida resultando em
agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes que
cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinquir e de forma ainda
mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos
à Justiça Especial da Infância e Juventude.”
O texto em questão foi publicado no New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra na página 34 deste PDF da Unicef.
Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento internacional
Tenho visto muitos
textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que estipulou a
maioridade penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política pela
USP, contesta esses dados.
“O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos,
além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da
ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências
do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como
pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países
que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.”
Ainda segundo a Unicef “de
53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a
maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre
das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema
de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar
autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo
a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas
para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro.”
O que pode estar acontecendo na grande
mídia é uma confusão conceitual pelo fato de muitos países usarem a
expressão penal para tratar da responsabilidade especial que incide
sobre os adolescentes até os 18 anos. “Países como Alemanha, Espanha e
França possuem idades de inicio da responsabilidade penal juvenil aos
14, 12 e 13 anos. No caso brasileiro tem inicio a mesma responsabilidade
aos 12 anos de idade. A diferença é que no Direito Brasileiro, nem a
Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal para designar
a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos
de idade”.
Confiram aqui a tabela comparativa
entre diferentes países ao redor do mundo. Alguns países vêm seguido o
caminho contrário do que a grande mídia divulga e aumentado a maioridade
penal. “A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18 anos e o Japão
aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas
socioeducativas. Estudos apontam que os crimes praticados por crianças e
adolescentes, no Brasil, não passariam de 15%. Há uma falsa impressão
de que esses jovens ficam impunes, o que não é verdade, pois eles
respondem ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, argumenta
Márcio Widal, secretário da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB.
Também não vejo os grandes jornais divulgarem que muitos estados americanos estão aumentando a maioridade penal.
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Há ainda diversos argumentos contra a
redução da maioridade penal, mas o texto já se estendeu muito e vamos
focar em mais dois. A medida é inconstitucional; a questão da maioridade
faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988, que não podem ser modificadas pelo Congresso Nacional (saiba mais sobre as cláusulas pétreas da CF aqui). Seria necessária uma nova Assembleia Constituinte para alterar a questão.
“São penalmente inimputáveis os menores
de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (Artigo 228
da Constituição Federal). Ou seja, todas as pessoas abaixo dos 18 anos
devem ser julgadas, processadas e responsabilizadas com base em uma
legislação especial, diferenciada dos adultos.
Há ainda o clássico argumento de que o
crime organizado utiliza os menores de idade para “puxar o gatilho” e
pegar penas reduzidas. Se aprovada a redução da maioridade penal, os
jovens seriam recrutados cada vez mais cedo. Se baixarmos para 16 anos,
quem vai disparar a arma é o jovem de 15. Se baixarmos para 14, quem vai
matar será o garoto de 13. Estaríamos produzindo assassinos cada vez
mais jovens. Além disso, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da
pena e sim a certeza de punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves.
“No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos
homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias
brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.”
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Concluindo…
Reforçando, tudo o que foi discutido até aqui foi para mostrar o problema de tratar essa questão com imediatismo, impulsividade. Os debates estão sendo feitos quase sempre em cima dos efeitos da violência, não de suas causas, desviando o foco das reais origens do problema.
Reforçando, tudo o que foi discutido até aqui foi para mostrar o problema de tratar essa questão com imediatismo, impulsividade. Os debates estão sendo feitos quase sempre em cima dos efeitos da violência, não de suas causas, desviando o foco das reais origens do problema.
Que tal nos mobilizarmos para cobrar uma
profunda reforma na Fundação Casa, de forma que ela cumpra minimamente
seus objetivos? Ou para cobrar outra profunda reforma no sistema
carcerário brasileiro, que possui 40% de presos provisórios? Será que todos deviam estar lá mesmo?
E melhor ainda: que tal nos mobilizarmos
para que o Governo invista pesado na prevenção da criminalidade, como
escolas de tempo integral, atividades de lazer e cultura? Estudos
mostram que quanto mais as crianças são inseridas nessas políticas
públicas, menores as chances de serem recrutadas pelo mundo das drogas e
pelo crime organizado.
“Quando o Estado exclui, o crime inclui”, afirma Castro Alves.
“Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola
ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai
ser incluído.”
Na teoria o ECA é uma ótima ferramenta
para prevenir a criminalidade. Mas há um abismo entre a teoria e a
prática do ECA: a falta de políticas públicas para a juventude, a falta
de estrutura e os abusos na Fundação Casa acabam produzindo o efeito
contrário do desejado. Mesmo assim, a reincidência no sistema de
internação dos adolescentes é de aproximadamente 30%. No sistema
prisional comum é de 60%, segundo o Ministério da Justiça.
No fim das contas, suspeito que boa
parte da sociedade não quer recuperar os jovens infratores. Muitos
gostariam mesmo é de fazer justiça com as próprias mãos ou que o Estado
aplicasse a pena de morte, como sugeriu o filósofo Janine Ribeiro no
calor da emoção. Mas já que isso não é possível, então “que apodreça na
cadeia junto com os adultos”.
Por causa de fatos isolados, como a
tragédia do menino João Hélio e do estudante Victor Hugo, cobram do
governo a redução da maioridade penal, uma atitude impulsiva e
irresponsável que iria piorar ainda mais a questão da violência no
Brasil. A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?
Por: Vinícius Bocato